Esses homens querem privatizar o dinheiro, conheça as stablecoins e os inovadores por trás delas

O dinheiro como eu e você nascemos conhecendo é visto em todas as jurisdições como um “bem público”, um direito de uso por todos e controlado por um governo. Mas nem sempre foi assim e agora, empresários do setor de criptomoedas querem privatizar seu dinheiro. 

Veja quem são eles e como o Brasil pode ser essencial para isso. 

O dinheiro antigo, uma fusão entre público e privado

Antes de vermos quem são as pessoas por trás da ideia de privatizar o dinheiro, vale a pena entender que o dinheiro privado – emitido por um ente privado e não um governo – não é algo novo.

Aliás, o termo dólar vem de Joachimsthaler, uma moeda de prata criada no século 16 na atual República Tcheca, à época Reino da Boêmia. O termo “thal” em Joachimsthaler significa “vale” em alemão, então Joachimsthaler significa “Vale do Joaquim”. Os produtores das moedas que saíam do “Vale do Joaquim” eram entidades privadas, com autorização de emissão pelo governo local. 

Esses produtores de moedas competiam no mercado trazendo belos designs, pureza e confiança. 

A moeda do “vale do Joaquim” ficou tão popular que foi imitada na Europa, inclusive pelos holandeses (Países Baixos), que pronunciaram “daler”, que após chegar aos Estados Unidos, virou o nosso conhecido “dólar”. 

Em 1792, influenciada pelo banqueiro Alexander Hamilton, os Estados Unidos acabaram com as moedas privadas e estabeleceram o dólar como moeda padrão. Criar moedas próprias imitando o dóalr era punido com pena de morte! Contudo parte dessa tradição privada se mantém no Banco Central dos EUA (FED), que é composto por bancos privados e gerido pelo governo.

Desde então, o dólar passou de lastreado em metais preciosos para uma moeda criada sem lastro. 

Reinvenção da moeda: a chegada das stablecoins

Mas isso começa a mudar com a chegada das stablecoins. As stablecoins são moedas lastreadas em outros ativos como dólar, títulos de dívida, metais preciosos e investimentos, cujo objetivo é tornar-se estável. 

Elas foram criadas para ajudar na negociação dentro do mercado de criptoativos, tendo uma função importante de representar as moedas que geralmente usamos dentro de networks como ethereum e o próprio bitcoin. 

Por anos as stablecoins atuaram em uma área cinzenta da economia norte-americana, mas agora elas estão legalizadas pelo Genius Act

Assim como as moedas de Joachimsthaler eram autorizadas pelo governo, as stablecoins também são. E assim como antigamente, temos vários emissores de moedas. 

Quem são os homens que querem privatizar o dólar e as moedas estatais?

Paolo Ardoino
Paolo Ardoino – CEO da Tether.

Um dos principais nomes por trás dessa revolução é Paolo Ardoino, italiano, cientista da computação e atual CEO da Tether, a maior emissora de stablecoins do mundo. 

Em 2024 a Tether apresentou um lucro de US$13 bilhões com apenas 100 funcionários.  Em comparação, o Itaú, maior banco da América Latina, lucrou US$8,2 bilhões e emprega mais de 96 mil funcionários. 

A empresa ganha não ao emitir moedas estáveis e sim investindo o dinheiro que ela recebe para emiti-las. Para entendermos como a empresa ganha dinheiro, vamos dar um exemplo hipotético. 

Imagine que você chegue com 100 dólares para comprar em Tether, você dá o dinheiro nas mãos do Paolo Ardoino, ele te dá os 100 dólares digitais em Tether, logo depois ele compra títulos da dívida do governo norte-americano que pagam de 4,25 até 5% ao ano. 

Para se ter uma ideia, o Tether já conta com mais títulos públicos dos Estados Unidos que a Alemanha, com US$120 bilhões. 

Eles investem o dinheiro recebido em títulos de dívida, operações financeiras, títulos de dívidas de empresas e fundos. Claro, parte do valor continua em dinheiro e a maior parte está em títulos com muita liquidez, como a dívida pública dos Estados Unidos. 

A Tether emite moedas estáveis de dólares, ouro, euro, yuan chinês e pesos mexicanos. Eles ainda não atuam com o real (BRL), mas contam com operações fortes no Brasil. 

Soluções no Brasil e participação do Tether no agro

Um dos principais operadores de Tether no Brasil é a Truther, criada pelo pioneiro do bitcoin no Brasil, o empresário Rocelo Lopes. A empresa conecta o PIX ao dólar da Tether, permitindo saques via Banco 24 horas, conversão para bitcoin e até pagamento de boletos. 

Rocelo é um dos bandeirantes da Tether na América Latina, ajudando a empresa a entrar em diversos negócios, como a de mineração de bitcoins no Paraguai. Além disso, a empresa de Ardoino está com as mãos no agro brasileiro, ao comprar participação na “Adecoagro”, que está inserida  na indústria do açúcar, etanol e energia em Minas Gerais e no Mato Grosso do Sul.

Se as iniciativas da Tether no Brasil ainda não tocam na tokenização do REAL, o token BRZ fez isso e no ano passado movimentou mais de 200 milhões de reais. A premissa é semelhante, mas usando real. Por trás da BRZ está a Transfero, uma fintech de soluções financeiras baseadas em blockchain, cujo fundador e CEO é Márlyson Silva, um empresário com mais de 20 anos na área de TI. 

Mas ele não está sozinho na tokenização do real, a BRL1 é a mais nova entrante no mercado. Ela foi criada pela parceria entre Mercado Bitcoin, Bitso, Foxbit e Cainvest usando a rede da Polygon como infraestrutura de transações. Cada BRL1 é respaldado por Títulos Públicos Brasileiros, Operações Compromissadas e Reservas em Conta mantida em instituições financeiras reguladas no Brasil. 

Criada no final de 2024, a BRL1 já emitiu mais de 5 milhões de tokens segundo a última divulgação de dados em abril de 2025. O volume ainda é pequeno, mas expressivo para a idade da BRL1. 

Outra stablecoin que está nas mãos dos brasileiros é o Meli Dólar, introduzido no ecossistema do Mercado Livre para recompensar os usuários e cuja custódia e câmbio é feita pela Ripio no Brasil. 

 Mas não apenas os entes privados querem uma fatia desse mercado, o Banco Central do Brasil e os políticos de Brasília estão de olho. No final de 2024, o BC abriu 3 consultas públicas sobre o tema.  O Deputado Áureo Ribeiro protocolou o Projeto de Lei 4308/2024, que estabelece normas de reservas como obrigatoriedade de lastro de 100% em ativos líquidos, relatórios de segurança e auditorias trimestrais . A proposta avança na Câmara dos Deputados e ainda pode ser muito modificada até ser promulgada pelo presidente. 

Nos Estados Unidos, o Genius Act definiu o arcabouço regulatório, indicando que as stablecoins precisam ter reservas em dólar de um para um ou o equivalente em títulos do Tesouro dos EUA, pagamentos preferenciais em caso de falência para os donos das stablecoins coins, autoirzando apenas fintechs e bancos a emitirem as moedas. A medida recebeu apoio da maioria sendo consenso entre Republicanos e Democratas. 

Depois da regulamentação, a Visa, Mastercard e bancos como JPMorgan mostraram interesse no mercado e anunciaram planos para maior integração das stablecoins. Até o grupo WLF, braço de criptomoedas de Donald Trump, lançou a stablecoin USD1. 

Ninguém quer ficar de fora, até o Paypal lançou a PYUSD, stablecoin usado dentro do Paypal e também em 

O contra-ataque das stablecoins descentralizadas

Se as empresas, corporações e até políticos estão surfando na onda das stablecoins, algumas inovações fogem da mesmice. É o caso das stablecoins descentralizadas. Sem um emissor central, essas stablecoins geralmente são baseadas em uma cesta de ativos. 

A mais famosa delas é a DAI, criada e governada por um novo tipo de organização, as DAOs, ou Organização Autônoma Descentralizada. Esse tipo de organização é comum no mercado de criptomoedas e permite a gestão, geralmente por algo semelhante a cotas, de protocolos, como o MakeDao, que governa a DAI. 

Essa stablecoin é composta por uma cesta de ativos, que também incluem outras stablecoins, criptomoedas e ativos reais tokenizados. A ideia é que a quantidade de ativos na DAI seja superior a 155% do valor total de tokens. Ou seja, para cada 100 dólares em DAI, há 155 em colateral. 

O colateral e a paridade com o dólar é feita por um sistema complexo que incluem incentivos para quem tem DAI, um ajuste automático no mercado de empréstimos do criptoativo e uma taxa de estabilidade, uma espécie de juros, que influencia o total da moeda. 

Apesar de um pouco menos estável que seus concorrentes centralizados como o USDT, a DAI em média consegue ficar próximo ao alvo de 1 dólar com preços estáveis em longos e médios períodos. 

O protocolo MakerDao foi pensado e criado por Rune Christensen, um empresário dinamarquês formado em Bioquímica. Ele descobriu o Bitcoin enquanto trabalhava na China em meados de 2012, mas ficou decepcionado pela enorme volatilidade da criptomoeda, decidindo criar sua própria stablecoin. 

O dinheiro não será mais uma exclusividade do Estado

Essas iniciativas todas mostram que as soluções privadas de dinheiro ganharam espaço e a tendência é que esse crescimento continue. Com cada vez mais soluções, o dinheiro parece que está saindo das mãos do Estado e voltando para um modelo de emissão privado com autorização e regras estatais. 

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