O mercado global de mineração de Bitcoin está passando por uma transformação silenciosa — e o Brasil pode estar perdendo uma oportunidade histórica. Três dos maiores fabricantes de máquinas para mineração de Bitcoin da China — Bitmain, Canaan e MicroBT — estão migrando parte de suas operações para os Estados Unidos, numa tentativa de driblar tarifas comerciais e fortalecer sua presença no Ocidente.
Por Que Essa Mudança Está Acontecendo?
A movimentação ganhou força após o governo dos EUA, sob gestão de Donald Trump, impor uma tarifa de 25% sobre produtos tecnológicos importados da China, incluindo os ASICs — os supercomputadores especializados que mantêm o funcionamento do Bitcoin.
De acordo com informações da Reuters, a Bitmain iniciou sua produção nos EUA em dezembro, logo após a vitória eleitoral de Trump. Poucos meses depois, a Canaan iniciou operações experimentais no dia 2 de abril. Já a MicroBT confirmou estar “implementando ativamente uma estratégia localizada” no território norte-americano.
O objetivo das três empresas é claro: reduzir custos, acelerar prazos de entrega e se proteger de choques geopolíticos.
Um mercado dominado pela China
Dados de um relatório da Frost & Sullivan mostram que 95% de todos os equipamentos de mineração de Bitcoin do mundo vêm dessas três fabricantes chinesas. Um nível de concentração raríssimo em qualquer setor de tecnologia.

Esse domínio não é à toa. A expectativa é que o mercado de ASICs cresça, em média, 15% ao ano, movimentando quase US$ 12 bilhões até 2028.
Dependência Digital e Riscos Geopolíticos
Apesar de quase 40% da mineração global de Bitcoin estar concentrada nos EUA, os equipamentos continuam, em sua maioria, nascidos da engenharia chinesa. Isso acende alertas em autoridades e especialistas.
Guang Yang, CTO da Conflux Network, alerta que a questão vai muito além das tarifas: trata-se também de segurança nacional. “Não é só uma briga por dinheiro. É uma discussão sobre hardware que seja politicamente aceitável”, afirma.
O receio é que os equipamentos, mesmo montados em solo americano, possam conter backdoors, firmware malicioso ou vulnerabilidades ocultas — uma ameaça silenciosa que paira sobre a infraestrutura do Bitcoin.
Tentativas de Quebra de Dependência
Nos EUA, startups surgem no Vale do Silício e no Texas, buscando desenvolver chips ASIC genuinamente americanos. A missão, no entanto, é extremamente difícil. Competir com empresas que possuem anos de experiência, domínio sobre processos de fabricação e parcerias com as maiores foundries do mundo, como a TSMC, não é trivial.
Por enquanto, os mineradores americanos estão mais preocupados com equipamentos funcionando hoje do que com promessas de inovação no futuro.
E o Brasil, como está no tabuleiro do bitcoin?
Diante desse cenário, o governo brasileiro decidiu reagir. Por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), foi publicada uma resolução da Gecex (Comitê-Executivo de Gestão) que zera temporariamente os impostos de importação sobre equipamentos de mineração de Bitcoin. Contudo, são equipamente extremamente específicos.
A decisão, assinada pelo ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin, foi publicada no dia 20 de maio.
O que está isento?
Dois tipos de equipamentos passam a ter isenção total de impostos:
- Unidades funcionais para operação de servidores de criptomoedas, compostas por:
Data center móvel com sistema de resfriamento de alta capacidade (mínimo 1.300kW) e bombas de circulação acima de 85m³/h.
Equipamentos elétricos, de rede e ventiladores com potência máxima total de até 32kW.
- Estações completas de armazenagem e resfriamento para servidores SHA-256, equipadas com:
Prateleiras para 200 ou mais servidores.
Sistemas de exaustão, controle, distribuição elétrica e circulação líquida para arrefecimento, além de torres de resfriamento a seco.
A medida segue uma lógica aplicada anteriormente, como a isenção de impostos para carteiras físicas (hard wallets) em 2022 — benefício que vale até 31 de dezembro de 2025.
O governo brasileiro justifica que, como não há produção nacional desses equipamentos, a isenção de tarifas visa evitar custos maiores, baratear a operação no país e incentivar o crescimento do setor de mineração de Bitcoin em solo nacional. Entretanto, a medida veio com dúvidas do mercado, pois o tipo de equipamente é extremamente específico e apenas disponível para mineradores com investimento milionário. Além disso, o que adianta ter o equipamente e não conseguir competir? Com altos impostos na energia, custos trabalhistas altos e incerteza regulatória, o Brasil continua importando bitcoin.
Enquanto EUA e China travam uma disputa silenciosa pela infraestrutura do Bitcoin, o Brasil segue como mero espectador. O país não possui nenhuma fabricante relevante de ASICs, tampouco políticas industriais ou incentivos para participar dessa corrida tecnológica.
Alguns brasileiros como o empreendedor Rocelo Lopes, tentaram emplacar o setor no Brasil, principalmente utilizando a energia da Itaupu Binacional e com projetos de desoneração, mas nada foi para frente.
Se a mineração de Bitcoin for, de fato, uma infraestrutura estratégica da nova economia digital, o Brasil está claramente fora do tabuleiro.
Mudança Real ou Apenas Etiqueta?
A grande questão é: essa mudança representará uma verdadeira transformação tecnológica ou apenas uma troca de etiquetas? Montar equipamentos na América, mas seguindo projetos chineses, resolve parte dos problemas econômicos — mas não elimina a dependência tecnológica.
Especialistas lembram que o mesmo aconteceu em setores como painéis solares e telecomunicações, onde fábricas foram instaladas fora da China, mas o desenvolvimento e controle das tecnologias continuaram no Oriente.
O futuro da mineração de Bitcoin será decidido nas fábricas — e, por enquanto, essas fábricas falam mandarim.