95% das máquinas de minerar Bitcoin vêm da China — Mas isso está prestes a mudar (e o Brasil corre contra o tempo)

O mercado global de mineração de Bitcoin está passando por uma transformação silenciosa — e o Brasil pode estar perdendo uma oportunidade histórica. Três dos maiores fabricantes de máquinas para mineração de Bitcoin da China — Bitmain, Canaan e MicroBT — estão migrando parte de suas operações para os Estados Unidos, numa tentativa de driblar tarifas comerciais e fortalecer sua presença no Ocidente.

Por Que Essa Mudança Está Acontecendo?

A movimentação ganhou força após o governo dos EUA, sob gestão de Donald Trump, impor uma tarifa de 25% sobre produtos tecnológicos importados da China, incluindo os ASICs — os supercomputadores especializados que mantêm o funcionamento do Bitcoin.

De acordo com informações da Reuters, a Bitmain iniciou sua produção nos EUA em dezembro, logo após a vitória eleitoral de Trump. Poucos meses depois, a Canaan iniciou operações experimentais no dia 2 de abril. Já a MicroBT confirmou estar “implementando ativamente uma estratégia localizada” no território norte-americano.

O objetivo das três empresas é claro: reduzir custos, acelerar prazos de entrega e se proteger de choques geopolíticos.

Um mercado dominado pela China

Dados de um relatório da Frost & Sullivan mostram que 95% de todos os equipamentos de mineração de Bitcoin do mundo vêm dessas três fabricantes chinesas. Um nível de concentração raríssimo em qualquer setor de tecnologia.

Distribuição de Hardware para minerar bitcoin por empresa

Esse domínio não é à toa. A expectativa é que o mercado de ASICs cresça, em média, 15% ao ano, movimentando quase US$ 12 bilhões até 2028.

Dependência Digital e Riscos Geopolíticos

Apesar de quase 40% da mineração global de Bitcoin estar concentrada nos EUA, os equipamentos continuam, em sua maioria, nascidos da engenharia chinesa. Isso acende alertas em autoridades e especialistas.

Guang Yang, CTO da Conflux Network, alerta que a questão vai muito além das tarifas: trata-se também de segurança nacional. “Não é só uma briga por dinheiro. É uma discussão sobre hardware que seja politicamente aceitável”, afirma.

O receio é que os equipamentos, mesmo montados em solo americano, possam conter backdoors, firmware malicioso ou vulnerabilidades ocultas — uma ameaça silenciosa que paira sobre a infraestrutura do Bitcoin.

Tentativas de Quebra de Dependência

Nos EUA, startups surgem no Vale do Silício e no Texas, buscando desenvolver chips ASIC genuinamente americanos. A missão, no entanto, é extremamente difícil. Competir com empresas que possuem anos de experiência, domínio sobre processos de fabricação e parcerias com as maiores foundries do mundo, como a TSMC, não é trivial.

Por enquanto, os mineradores americanos estão mais preocupados com equipamentos funcionando hoje do que com promessas de inovação no futuro.

E o Brasil, como está no tabuleiro do bitcoin?

Diante desse cenário, o governo brasileiro decidiu reagir. Por meio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), foi publicada uma resolução da Gecex (Comitê-Executivo de Gestão) que zera temporariamente os impostos de importação sobre equipamentos de mineração de Bitcoin. Contudo, são equipamente extremamente específicos.

A decisão, assinada pelo ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin, foi publicada no dia 20 de maio.

O que está isento?

Dois tipos de equipamentos passam a ter isenção total de impostos:

  • Unidades funcionais para operação de servidores de criptomoedas, compostas por:

     Data center móvel com sistema de resfriamento de alta capacidade (mínimo 1.300kW) e bombas de circulação acima de 85m³/h.

     Equipamentos elétricos, de rede e ventiladores com potência máxima total de até 32kW.

  • Estações completas de armazenagem e resfriamento para servidores SHA-256, equipadas com:

     Prateleiras para 200 ou mais servidores.

     Sistemas de exaustão, controle, distribuição elétrica e circulação líquida para arrefecimento, além de torres de resfriamento a seco.

A medida segue uma lógica aplicada anteriormente, como a isenção de impostos para carteiras físicas (hard wallets) em 2022 — benefício que vale até 31 de dezembro de 2025.

O governo brasileiro justifica que, como não há produção nacional desses equipamentos, a isenção de tarifas visa evitar custos maiores, baratear a operação no país e incentivar o crescimento do setor de mineração de Bitcoin em solo nacional. Entretanto, a medida veio com dúvidas do mercado, pois o tipo de equipamente é extremamente específico e apenas disponível para mineradores com investimento milionário. Além disso, o que adianta ter o equipamente e não conseguir competir? Com altos impostos na energia, custos trabalhistas altos e incerteza regulatória, o Brasil continua importando bitcoin.

Enquanto EUA e China travam uma disputa silenciosa pela infraestrutura do Bitcoin, o Brasil segue como mero espectador. O país não possui nenhuma fabricante relevante de ASICs, tampouco políticas industriais ou incentivos para participar dessa corrida tecnológica.

Alguns brasileiros como o empreendedor Rocelo Lopes, tentaram emplacar o setor no Brasil, principalmente utilizando a energia da Itaupu Binacional e com projetos de desoneração, mas nada foi para frente.

Se a mineração de Bitcoin for, de fato, uma infraestrutura estratégica da nova economia digital, o Brasil está claramente fora do tabuleiro.

Mudança Real ou Apenas Etiqueta?

A grande questão é: essa mudança representará uma verdadeira transformação tecnológica ou apenas uma troca de etiquetas? Montar equipamentos na América, mas seguindo projetos chineses, resolve parte dos problemas econômicos — mas não elimina a dependência tecnológica.

Especialistas lembram que o mesmo aconteceu em setores como painéis solares e telecomunicações, onde fábricas foram instaladas fora da China, mas o desenvolvimento e controle das tecnologias continuaram no Oriente.

O futuro da mineração de Bitcoin será decidido nas fábricas — e, por enquanto, essas fábricas falam mandarim.

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